A Vocês!

Vocês que vão de orgia em orgia, vocês
Que têm mornos bidês e W.C.s,
Não se envergonham ao ler os noticiários
Sobre a cruz de São Jorge nos diários?

Sabem vocês, inúteis, diletantes
Que só pensam encher a pança e o cofre
Que talvez uma bomba neste instante
Arranca as pernas do tenente Pietrov?

E se ele, conduzido ao matadouro,
Pudesse vislumbrar, banhado em sangue,
Como vocês, lábios untados de gordura,
Lúbricos trauteiam Sievieriânin!

Vocês, gozadores de fêmeas e de pratos,
Dar a vida por suas bacanais?
Mil vezes antes no bar às putas
Ficar servindo suco de ananás.

Maiakóvski – 1915

Bang Bang

Dias desses estava olhando pela janela.
Não enxerguei coisa alguma
Pois o Estado havia crescido demais.
E sufocava sua população com mentiras.
Quando abri a porta de minha casa.
Uma multidão de sem-tetos disse:
Perdemos tudo que tínhamos
Mesmo sem ter nada.
Essa gente esquecida por todos.
Pelos cantos da cidades.
Nas fronteiras da razão
Com a esquina da loucura
Não há mais nada a ser perdido.
Nem a dignidade que nunca tiveram.
Só não perdem a coragem
De ouvir mentiras e acreditar.
Dai o governador invadiu minha casa.
Colocando seus militares ao meu lado.
Despejando fúria e barulho
Na cabeça de crianças indefesas.
No outro lado da cidade a mesma cena.
Fausto invocou um Diabo sábio.
Não conhece as ruas de São Paulo.
Nem a estação da Sé às seis horas da tarde.
O Inferno é por essas bandas do mundo
Com gente que grita
Contra aqueles que nada tem
Mas que muito fazem
E estão exaustos de tudo
Alguns esquecidos pela “justiça”
Estavam armando uma festa
Que serviria cabeça de coronéis.
Ao molho pardo de soldados.
Nesse banquete ninguém queria entrar.
Mas o Estado é vanguardista.
Matou primeiro seu soldados.
E serviu aos coronéis.
Depois, os coronéis que foram servidos crus.
Mal deu tempo de cozinhá-los.
Tamanha a pressa do governador.
Em culpar alguém pelo jantar servido.
O sangue serviu para os jornais.
Imprimirem seu material de trabalho.
Aquilo escorria sobre a mesa
Do café da manhã da sagrada família.
A família indignada clamou por “justiça”.
Estavam ameaçados pela corrupção
Pelo banditismo policial e social.
E pelo clero raivoso.
A cada troca de tiros um corpo
E desse cadáver uma história
Insólita que já bastava em vida
Na morte tornou-se absurda.
E acreditaram nos jornais
Começou a matança generalizada.
Todos se armaram à moda americana.
Matando até mesmo o padeiro.
E faltou pão, gente com fome
E da fome surgiu a revolta
E a máquina do governo protegida.
O Estado gargalhava da bestialidade humana.
Mas tinha um outro plano
Um programa de caça-humanos.
Era um preço alto que deveria ser pago.
Para manter o estado de direito.
Tamanha a desordem que fora instaurada
As famílias mais ricas se afastaram
Com escolta da cidade grande
E montaram suas choupanas nos arredores
Aos modos árcades.
Para os pobres: a sinfonia dos metais.
Bang-Bang-Planck-Bruum!
O aço iluminado da insensatez
E os corpos jaziam aos milhares.
E o faroeste estava armado.
O xerife chegou procurando pelo bandido.
Que nunca existiu
Mas correu até nunca mais
ser visto pelos lados de cá.
O mocinho da história com seu chapéu branco.
Sorria e acenava
para a moça de vestido vermelho.
Ele trouxera alguns xerifes
Que empunhavam as Leis
Invadindo as poucas casas que restaram
Fazendo a população
Engolir a ordem
Pelo caos!

Cidade grande

Quando se olha pela janela da cidade cinzenta,
Tudo parece um pouco igual
É nesse momento em que o vazio parece bater à sua porta
Seu corpo movimenta-se levemente pela casa friccionando o chão
Por vezes esbarrando na mobília
É o tédio de estar só
E por isso nada faz sentido
Caminhamos até o banheiro
Divagando como será o dia de amanhã
Que não chegará caso cometa alguma excesso
“Valerá à pena trocar uma vida inteira por um instante de prazer”?
Sentamos no sofá com um maço de cigarros amassado
Enquanto o cinzeiro cheio de filtros apagados
Descansa sobre a mesa de centro
Entre um trago e outro ligamos a televisão
Passamos pelos canais
Bebemos água lentamente para não engasgar
Lemos qualquer jornal ou revista
Para matar o tempo
Nada faz sentido
A vida parece estar se diluindo
E se dissipa facilmente como a fumaça:
Azulada que desliza suavemente pelo ar cinza
E toma formas diversas tocando o teto branco
A passividade é roxa semelhante à violeta murcha
Que está dentro do vaso no canto da sala
Assim como a vida é amarela de apatia
Seu corpo poderia ser qualquer coisa que desejasse
Nesse instante de solidão
Mas não
Isso jamais
A fumaça sai velozmente pela janela
Enquanto pensamos
Nesse ínterim:
Entre ficar parado olhando o nada e o movimento
Optamos pelo segundo saindo da anestesia
Quando levantamos do sofá
Pode ser noite ou o dia:
As coisas vão sempre se repetir…